terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Drawing

"Desenhar acalmava-te. A tua infernal caneta era um atiçador,
era como um ferro incandescente. Os objectos
sofriam para ter uma nova realidade, torturados
até alcançarem a posição definitiva. Enquanto desenhavas
sentia-me solto, tranquilo. O tempo ficou suspenso
enquanto desenhaste o mercado de Benidorm.
Sentei-me ao pé de ti, a escrevinhar qualquer coisa.
As horas passaram a arder. Os vendedores das tendas
abeiravam-se para ver se tinham ficado bem.
Estávamos sentados nuns degraus, com os nossos sapatos de corda
e éramos felizes. A nossa curiosidade de turistas
já tinha passado, conhecíamos bem o nosso caminho
nas andanças pela cidade. Éramos familiares objectos
estranhos. Quando acabou de vender as bananas,
o vendedor ofereceu-nos um solo
de violino que tocou ali mesmo num caule de bananeira.
Toda a gente nos rodeou para elogiar o teu desenho.
Continuavas a desenhar teimosamente, captando todos os detalhes,
até aprisionares toda a cena.
Ei-la. Resgataste para sempre
a nossa manhã de outro modo perdida. A tua paciência,
mordendo o lábio e de testa franzida, conseguiu fazer o retrato
de um mercado adormecido ainda
na Idade Média. Mesmo antes de desaparecer
sob a gritaria de um milhão de veraneantes
e de um penhasco de brilhantes hotéis. Enquanto a tua mão
descia por baixo de Heptonstall para ser agarrada
pela escuridão interminável. Enquanto a minha caneta viaja
apenas a duzentas milhas da tua mão,
agarrando essa recordação do teu lenço vermelho com bolas branca,
os teus calções, a tua camisola de manga curta -
Uma das trinta que carreguei comigo pela Europa -
e as tuas longas pernas, morenas, onde apoiavas o teu bloco,
e a contemplativa calma
que eu bebia da tua concentrada quietude.
É nessa contemplativa calma
que agora bebo do teu silêncio, que nenhum
de nós pode evitar ou perturbar."

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

"uma espada trespassa o coração"

..."Depois, vaguear por paisagens desertas, por cidades, pelo espaço da solidão. Não olhar o passado, apenas esse momento de silêncio e construir uma nova cidadela. Ansiar um grande vazio onde tudo é mais simples e o respirar mais vagaroso. Deixar de procurar a tempestade, que não se teme. Descansar um pouco. Repousar de tão demorada luta."